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Daniela Falcone

Daniela Falcone

22 Jul 2020 10 min read

Aumentando a colaboração usando Princípios de Design

Na minha experiência, a ausência de um entendimento claro dos objetivos do produto geralmente acarreta na falta de clareza nas decisões, produzindo designs ambíguos e códigos macarrônicos. Na Labcodes, usamos nossos princípios de design para guiar a tomada de decisão, tornando o processo mais fácil e servindo como critério de sucesso.

Aqui, vou explorar o processo que nos ajudou a definir o que é essencial em nossos projetos internos, assim como nossos valores pessoais definem o que é essencial em nossas vidas. Vou abordar também lições aprendidas e seus impactos na Labcodes.


Direto ao ponto


O que são princípios de design?

Em seu projeto open source, Ben Brignell define princípios de design como “um conjunto de considerações que formam a base de um bom produto”, enquanto a Interaction Design Foundation os considera como “leis, guias ou vieses amplamente aplicáveis” (traduções livres). Brignell também afirma que apenas alguns princípios ou perguntas construtivas são capazes de ajudar os times a tomar decisões mais apropriadas.

Criando princípios de design

Há muitos caminhos que podemos seguir, porém o guia Design Better da InVision sugere que, para facilitar o início desse processo, é necessário antes estabelecer os objetivos que os princípios devem atingir, propondo para isso buscar uma grande quantidade de dados através de perguntas como:

  • Eles devem descrever o resultado ou o processo?
  • Eles devem ser uma sentença ou uma frase?
  • Quem deve se beneficiar desses princípios?
  • Como eles serão usados?

Em seguida, o que pude compreender é que a maioria dos casos segue uma estrutura clássica do design de descoberta, ideação e refinamento, usando como elemento chave escolher pessoas e especialidades de acordo com as motivações específicas.

Este é um processo que pode ser facilmente aplicado de forma remota e pode ser dividido em:

Fase 1 - Descoberta

  1. Apresentar - educar sobre o que são princípios e a proposta da atividade
  2. Inspiração - estudo de casos e adaptação do processo
  3. Recrutar* - buscar pessoas que possam trazer diferentes visões do negócio
  4. Entender - levantar dados sobre motivações e objetivos (questionário, entrevistas, etc)

*Dependendo da estrutura da organização, esse é um bom momento para formar aliados, tanto na base, quanto no topo da hierarquia. A abordagem da Etsy pode ser útil para entender como formar esse grupo em grandes empresas.

Fase 2 - Ideação

  1. Brainstorm - aberto (conversa) ou fechado (post-its) a depender da quantidade de participantes
  2. Síntese - agrupamento colaborativo das ideias geradas
  3. Priorização - hierarquizar o conteúdo por relevância com o projeto

Fase 3 - Refinamento

  1. Validação/Refinamento - formatação dos princípios em uma linguagem clara para o público definido e validação da compreensão por estas pessoas
  2. Apresentação - disseminar o conteúdo com todas as pessoas que se beneficiarão do resultado e pontuar seus usos

Nossa abordagem

Fase 1 - Descoberta

Através de mensagens e emails, apresentei o conceito de princípios, mostrei exemplos, expliquei o impacto que poderíamos atingir internamente, e marquei um dia para criarmos os princípios de design que serviriam aos nossos projetos internos.

Enquanto o dia não chegava, mandei lembretes, leituras e outros exemplos para auxiliar a introduzir o tema para pessoas de fora do time de design.

Fase 2 - Ideação

Como temos um time pequeno e participativo e havíamos levantado dificuldades entre times recentemente, organizei uma oficina em que primeiro elencamos motivações e objetivos para em seguida idear sobre princípios.

Para iniciar, dei uma breve descrição sobre o que são princípios, o que podemos atingir com eles, as etapas da oficina e particularidades quanto ao uso dos materiais (post-its, canetas e quadro)

Motivação e objetivos (10min + 15min)

Nos primeiros 10 minutos pedi aos participantes que anotassem suas impressões individualmente para as questões listadas abaixo. Nos 15 minutos seguintes, em conjunto, agrupamos similares, priorizamos por alinhamento com nossas dificuldades específicas e sumarizamos no quadro os pontos mais relevantes para que ficassem expostos na próxima etapa.

- Qual a sua motivação? Nossas motivações primárias vieram da necessidade de que os times compartilhassem da mesma linguagem e fossem capazes de tomar decisões consistentes com autonomia. Havíamos co-criado um manifesto recentemente, o que também tornou o desejo por transmitir identidade presente e essencial. Outros pontos também apareceram secundariamente, como modularidade e planejamento/organização interna.

Como estávamos em um período com várias oficinas de co-participação, nosso problema aqui foi querer resolver coisas demais através dos princípios, o que tornou a triagem um pouco mais dispersa.

- Quem vai se beneficiar? Primariamente nossos princípios deveriam servir aos times de design e desenvolvimento e usuários de nossos produtos internos, de maneira que trouxesse impacto para a empresa de forma estrutural e impactasse positivamente no produto. De maneira secundária, também beneficiaria nossos clientes, uma vez que nossas experiências internas impactam em nossas entregas externas.

Pela aparente obviedade da pergunta, algumas pessoas tiveram dificuldades criativas nesse ponto. Isso pode ser minimizado ao expor exemplos usados em outros casos e/ou com extrapolações megalomaníacas sugeridas pela mediação.

- Quais seus usos? Definiu-se como um dos mais importantes usos dos princípios ser um guia interno de “requisitos mínimos” para design e desenvolvimento, servindo como métrica de sucesso e melhoria na comunicação para resolução de problemas. Por consequência, e de forma secundária, servindo também na otimização de entregas.

Além disso, foi levantado que eles deveriam auxiliar na construção de produtos que são reconhecidos pelo público externo como um “produto Labcodes”.

- Que características e formato os princípios devem ter? Em primeiro lugar, eles deveriam ser fáceis de entender, realistas e sustentáveis às limitações de nosso desempenho individual, além de ter um padrão para torná-los consistentes. Além disso, para cumprir nossos padrões de diversidade, eles deveriam usar uma linguagem neutra e explícita.

Em segundo plano, gostaríamos também que eles fossem flexíveis e escaláveis para cumprir com o objetivo da empresa de que nossos processos internos devem ser usados como exemplo para nossos clientes e comunidade.

Por fim, e como percebemos através do exercício, também não queríamos uma hierarquia clara entre eles.

Para a maioria das pessoas foi difícil entender que o propósito da pergunta era delimitar as características dos nossos princípios, não os princípios em si, que seriam explorados em outro momento.

- O que os limita / O que deve ser levado em consideração ao formatá-los? Ao abordar princípios como métrica de sucesso, pode-se achar que eles podem tornar o design engessado, restrito demais ou que exijam demasiado esforço para ser concluído. Nesse sentido, e para torná-los facilmente aplicáveis, colocamos como requisito não abordar conteúdos dependentes de tecnologias externas como browsers e dispositivos, ou exigir uma complexidade que interfira no processo ágil.

Também foi definido como desejável, não centrar seus tópicos em aspectos como arquitetura ou código legado, assim como evitar esforço demasiado para possibilitar a finalização de uma tarefa.

Quadro branco resumindo nossos achados

Definindo princípios (5min + 15min)

A seguir, iniciamos um processo similar em que cada participante listou os títulos ou uma breve descrição dos princípios que acreditavam estar alinhados aos objetivos levantados, o que levou aproximadamente 5 minutos.

Nos 15 minutos seguintes, agrupamos os post-its usados, hierarquizando-os de acordo com o enquadramento nos objetivos considerados essenciais e/ou por quantidade de repetições. Por fim, removemos os que considerávamos fora de escopo.

Com este processo, definimos que nossos princípios deveriam ser, garantir ou abordar:

  • Consistência
  • Modularidade
  • Identidade
  • Responsividade (mobile first)
  • Minimalismo
  • Autonomia
  • Comunicação ubíqua
  • Universalidade (inclusivo e acessível)
  • Ser realista
  • Sustentabilidade
  • Estar disponível
  • Ser direto e explícito

Nesta abordagem, elencamos objetivos e linhas gerais dos princípios na mesma oficina, o que pode ser útil se há pouco espaço/tempo pra este tipo de atividade, porém isso nos trouxe algumas dificuldades na separação entre o que é um objetivo e o que é um princípio. Portanto, eu não a recomendo se há espaço pra uma exploração em duas etapas, principalmente envolvendo pessoas não-designers.

Outro aspecto que poderia ter ficado mais claro foi sobre as diferenças e semelhanças entre valores da empresa e princípios de design. Como estávamos em um momento de estruturação nesse aspecto, as coisas se confundiram por vários momentos, o que também pode acontecer em empresas que tem uma cultura muito marcante.

Fase 3 - Refinamento

Em seguida, sintetizamos os achados e os cruzamos com as dificuldades mapeadas, criando 5 princípios que foram validados e ajustados de acordo com os feedbacks recebidos e estão sempre abertos a modificações caso seja verificada uma leitura ambígua.

Como escrever bons princípios?

Nos primeiros rascunhos dos nossos princípios, eu me percebi escrevendo algo mais próximo à uma lista de regras do que a um guia ou filosofia que auxiliasse na tomada de decisões. Eram frases pontuais e que muito provavelmente não cobriam todos os cenários de aplicação. Decidimos, portanto, usar uma escrita concisa, mas que também fornecesse contexto e alguns exemplos de aplicação do princípio.

Em meus estudos encontrei um guia para escrever princípios que pode ser bastante útil para formatar o texto. Nela, o autor define como regra geral que se um princípio não ajudar a tomar uma decisão, não use.

"When you write a principle ask yourself if it will help you make a decision, if not, ditch it."

Steve Cable

Para mim, além dos objetivos específicos, princípios devem sempre refletir os valores da organização e contextualizar como o produto foi idealizado ou como o time e seus processos funcionam.

Resultado, aprendizados e impactos

Para mim, esse processo foi muito interessante para perceber como pessoas de diferentes perfis compreendem o que é um princípio, seus objetivos e seus usos. A fase de levantamento de objetivos precisou de várias revisões para ajudar a distinguir entre os conceitos, mas mesmo assim foi bem sucedida (não se desespere se acontecer com você!)

Também observei que absolutamente todos os momentos trazem insights sobre o que pode se tornar um princípio e sobre os valores da empresa, portanto lembre-se de registrar todo o processo através de anotações e fotos, especialmente os pontos de discordância.

Na Labcodes, criar princípios de design também motivou o time de desenvolvimento (que fez parte do processo) a criar os próprios princípios seguindo uma metodologia similar. O que me leva a crer que este processo pode se tornar uma estrutura influenciadora de mudança cultural para o design centrado no usuário nas organizações, servindo como estrutura formadora de aliados e para melhorar a integração do time de design com outras áreas.

Nossos princípios de design

Ilustração de um punho fechado

## Universalidade e diversidade

Nossos produtos são feitos por nós e para nós, um grupo diverso, focado e divertido. Focamos sempre na otimização de processos e tomadas de decisão para proporcionar um dia a dia fluido, além de garantir adaptabilidade a diferentes rotinas com uma comunicação inclusiva e sem ruídos.

  • Estamos sempre por perto, converse. Busque sempre diferentes perspectivas e cenários de uso
  • Seja colaborativo e mantenha as ferramentas de gerenciamento e revisão sempre atualizadas
  • Respeite sempre as diretrizes de acessibilidade web e de design universal
  • Use uma linguagem neutra, direta e não ambígua, mas que expresse nossa personalidade

Ilustração de um painel de controle

Sustentabilidade e autonomia

Como um time pequeno e de alto rendimento, devemos ser capazes de compreender interações independentemente de experiência prévia com o produto. Portanto, nossas experiências devem sempre garantir autonomia, velocidade, escalabilidade e fácil manutenção.

  • Respeite a realidade e suas limitações, mas mantenha a simpatia! Seja transparente sobre as possibilidades e limitações de cada interação
  • Use módulos consistentes entre si, familiares e replicáveis
  • Torne interações seguras e positivas fáceis, mas quando arriscadas garanta instruções claras e maior confiança para tomada de decisões
  • Otimize tarefas importantes sem bloquear outras pessoas em atividades menos prioritárias

Ilustração de um "click"

Clareza e minimalismo

Somos um time criativo, mas, acima disso, objetivo. Para nos mantermos assertivos, é imprescindível que mantenhamos o foco no essencial, tanto em comunicação, fluxo de trabalho ou estética. Tudo tem um propósito, seja ele concluir uma tarefa ou uma estética encantadora.

  • Seja criativo, mas mantenha a casa em ordem. Organização e modularização são essenciais para manter o produto simples e familiar
  • Evite o uso excessivo de cores, imagens ou ornamentos. Easter-eggs são bem-vindos, mas apenas quando não distraem o usuário de seus objetivos
  • Minimize escolhas e complexidade. Quebre tarefas e/ou automatize processos sempre que possível
  • Garanta acesso à interações avançadas ou menos usadas, porém com menor ênfase

Ilustração de um espelho

Reconhecimento

Temos orgulho e celebramos quem somos, além de expressarmos sempre nosso melhor. É importante que nos sintamos confortáveis e representados em nossos produtos, para que quem veja de fora também seja capaz de nos reconhecer e admirar.

  • Crie e desenvolva seguindo as definições de marca e estilo para manter o produto consistente e memorável
  • Entregue sempre as melhores práticas aplicáveis
  • Empregue sempre os mesmos padrões de interação e crie experiências familiares entre produtos para mantê-las fáceis e intuitivas

Este foi o processo que seguimos por aqui para criar princípios de design, mas há vários caminhos para atingir o mesmo objetivo. O espaço dos comentários está aberto pra gente conversar e compartilhar ideias, ficaria muito feliz em entender como foi o seu processo e se ficou alguma dúvida.


Referências