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Breno Chamie

Breno Chamie

03 Abr 2020 7 min de leitura

Princípios do Design Universal em produtos digitais

Em algum ponto da vida, todos nós encontramos obstáculos, seja ao manusear um produto, navegar um espaço ou mesmo ao interagir com um programa de computador. Mas não se preocupe, estas situações são mais comuns do que você pode pensar, tal como as deficiências são ainda mais comuns e frequentes. É quase certo que passaremos por momentos assim em algum estágio da existência, seja por razões naturais, como envelhecimento, ou razões externas, como um pé ou braço machucado num acidente. Ainda existe um grande estigma a respeito da palavra “deficiência”, e ter uma é tão comum quanto a negação a respeito dela.

O termo “Design Universal” foi cunhado por Ronald Mace e um time de arquitetos, designers de produto e engenheiros nos anos 90. Design universal nos lembra que idade e aptidões (físicas e cognitivas) impactam experiências. Um de seus objetivos é forçar os limites de serviços, produtos e ambientes que projetamos para incluírem o maior número possível de pessoas sem comprometer a integridade ou qualidade do produto, minimizando as dificuldades de adaptação para usuários específicos. Ele também descreve um conjunto de considerações/princípios criados para garantir que estes produtos, serviços e ambientes sejam utilizáveis por todos, em sua maior extensão, sem a necessidade de adaptação ou de projeto especializado.

Ao se tratar dos conceitos, os termos ‘acessibilidade’ e ‘design universal’ são bastante similares: o primeiro se refere à época em que movimentos sociais e a luta por direitos de pessoas com deficiência começaram e está principalmente associado a padrões técnicos como a ABNT 9050 e W3C para a internet, tendo a força da lei a seu favor para garantir suas aplicações. O segundo termo se refere a princípios mais teóricos e filosóficos do processo e intenção de projeto. Não há padronização destes princípios, o que não os torna menos válidos ou importantes, mas justamente o contrário.

Os Princípios do Design Universal

Os princípios universais são abordagens que desingers utilizam para analisar e prever falhas em sistemas e processos e corrigi-las para que se tenha uma otimização máxima. Essas melhorias podem acontecer a nível micro, quando se está num nível de funcionalidade ou produto simples, e macro: quando o objeto, ambiente ou serviço é o foco de estudo. A mudança está na abordagem, que passa de um recurso único para um trabalho dedicado ao todo, fornecendo melhorias mais completas e complexas.

Dentro de cada princípio coloquei alguns exemplos e sugestões de como trazê-los ao mundo real no seu projeto de experiência para produto digital. Confira:

1. Uso equitativo

O design é utilizável e comercializável para pessoas com diversas aptidões. Forneça um caminho similar ou igual para os usuários acessarem recursos e informações. Evite segregar qualquer grupo de pessoas devido a restrições pessoais e/ou capacidades do dispositivo. Considere todos os usuários, ao invés de apenas o público alvo. Ao projetar para todos, a experiência será aprimorada naturalmente para o público alvo.

Como fazer:

  • Forneça os mesmos significados e quantidade de informações para todos os usuários: idêntica sempre que possível, equivalente quando não (ex: use alt texts, legendas de imagens e gráficos)
  • Evite segregar ou estigmatizar qualquer usuário (ex: não use interações acessíveis apenas por mouse ou esconda elementos atrás de mouse hovers ou interações específicas)
  • Provisões de privacidade, segurança e proteção devem estar igualmente disponíveis
  • Faça o design atrativo para todos os usuários (ex: use alto contraste para que usuários com visão limitada consigam ter uma experiência equivalente do produto)

2. Flexibilidade de Uso

O design acomoda um amplo leque de preferências individuais e aptidões. É sobre dar aos usuários a opção de escolher como e quando acessar funções, ao invés de forçá-los dentro de locais que eles não necessariamente gostariam ou precisam estar. Projete uma experiência adaptável e/ou customizável. É importante levar em conta as preferências individuais e permitir que os usuários escolham como eles utilizarão o produto ou espaço. Quando escolhas são fornecidas, os usuários se sentem mais livres e com controle da sua experiência.

Como fazer:

  • Forneça opções para diferentes modos de uso e para acomodar acesso e uso por pessoas canhotas e destras (ex: permita customização / pergunte pela preferência do usuário sobre a posição de elementos específicos da aplicação / em ambiente mobile, otimize para a zona do polegar)
  • Ofereça opções relacionadas às funções do produto e caminhos diferentes para realizar tarefas
  • Forneça adaptabilidade ao ritmo do usuário (ex: não remova a possibilidade do usuário navegar em sua própria velocidade)

3. Uso Simples e Intuitivo

O uso é de fácil compreensão independente da experiência, conhecimento, habilidades linguísticas e nível de concentração do usuário. O objetivo aqui é reduzir a complexidade e carga cognitiva. De acordo com a teoria da carga cognitiva, humanos conseguem lidar com apenas 5-9 itens num curto período de tempo enquanto processam informação, e manter entre 2-3 em primeiro plano na memória de trabalho. Quanto maior a complexidade, menor a capacidade. Então, para reduzir a carga cognitiva, apresente idealmente entre 2-5 itens, ou fragmente em grupos menores.

Além disso, a lei de Hick-Hyman diz que ao aumentar o número de opções para escolher, o tempo e o esforço para se tomar uma decisão também aumenta, mas lembre que esta lei é válida para pequenas quantidades de informação e tomar decisões simples e rápidas, e não ações complexas que envolvam leitura extensiva, pesquisa ou uma longa deliberação.

Como fazer:

  • Elimine a complexidade desnecessária reduzindo as cargas cognitivas, “mantendo curto e simples” e sempre testando com usuários reais antes de adicionar novas funções ao produto
  • Seja consistente com as expectativas e intuição do usuário, permitindo que ele identifique a função de um elemento ou componente intuitivamente sem necessidade de explicação
  • Use palavras e expressões de fácil compreensão, dando preferência à explicações ao invés de termos técnicos
  • Forneça pedidos de confirmações efetivas (prompts) e feedbacks durante e depois de completar tarefas usando status de progresso, breadcrumbing, pontos de referência e dicas de localização na interface

4. Informação Perceptível

O projeto comunica as informações necessárias efetivamente ao usuário, independente das condições ambientais ou as capacidades sensoriais do usuário. Por texto, imagens, áudio ou vídeos, tenha certeza que a informação é de fácil acesso e assimilação por todos. Este princípio é sobre encontrar a melhor forma de apresentar informação considerando as limitações e deficiências dos usuários, como diminuição da visão e audição.

Como fazer:

  • Use modos diferentes (pictórico, verbal, tátil) para apresentar a informação essencial de forma redundante. Isso pode ser feito fornecendo ambas visualizações de gráfico e tabela para dados, permitir aos usuários não só a flexibilidade de escolher como conseguir informações, como sugerido em '2. Flexibilidade de Uso', mas também ajudar tornando os padrões de dados mais compreensíveis
  • Aplique contraste adequado entre a informação principal ou essencial e seus entornos
  • Maximize a legibilidade das informações essenciais fazendo a subdivisão dessas informações em partes menores mais compreensíveis
  • Diferencie os elementos de forma que eles possam ser descritos (ex: com elementos diferenciados é mais fácil dar instruções ou direções)
  • Permita compatibilidade com várias técnicas ou dispositivos que pessoas com limitação sensorial utilizam

5. Tolerância a Erros

Riscos e consequências adversas de ações acidentais ou involuntárias devem ser atenuados. Antecipe diferentes situações e ações do usuário projetando para um ambiente amigável a erros. Tenha certeza que eles não ficarão presos, se perderão, ou acidentalmente causarão erros irreversíveis a seus próprios dados ou navegação.

Como fazer:

  • Organize os elementos de forma que perigos e erros sejam minimizados: elementos mais usados > mais acessados. Isole, proteja ou elimine elementos perigosos (ex: coloque funções destrutivas ou permanentes dentro de menus ou atrás de pedidos de confirmação
  • Forneça avisos sobre perigos e erros.
  • Forneça recursos de prevenção de danos (ex: desfazer)
  • Desencoraje ações inconscientes em tarefas que requerem vigilância ou atenção

6. Baixo Esforço Físico

O design pode ser usado confortável e eficientemente com o mínimo de fadiga. Aqueles com questões permanentes ou temporárias de mobilidade podem ter dificuldade de mover o mouse até o local desejado, e é por isso que projetar para baixo esforço físico é importante. Não demande que os usuários façam “vai-e-vem” por várias telas para completar um único fluxo de tarefa.

Como fazer:

  • Agrupe ações em áreas específicas da tela. Isso minimiza a quantidade necessária de movimento do mouse ou alongamento do polegar.
  • Minimize ações repetitivas e com esforço efeito continuado (ex: reduza o uso do mouse fornecendo atalhos para teclado)
  • Permita que o usuário mantenha a posição neutra do corpo

7. Tamanho e Espaço para Acesso de Uso

Espaço fornecido para aproximação, uso, alcance e manipulação é ser apropriado independentemente do tamanho do corpo do usuário, postura ou mobilidade.

Como fazer:

  • Forneça um campo de vista claro para elementos importantes e torne o alcance a todos os componentes confortável em diferentes posturas (ex: sentado, em pé, andando na rua, deitado)
  • Acomode variações de tamanho de mão, dedo e pegada (ex: o tamanho médio da impressão digital do dedo indicador de um adulto é 1,6-2cm → aproximadamente 60-76px)
  • Forneça espaço dinâmico adequado para o uso de tecnologias assistivas, assistentes pessoais ou outros recursos de acessibilidade e entrada (ex: espaços especiais para teclados virtuais, menus de contexto ou dropdown, etc)

As métricas de acessibilidade fornecem a espinha dorsal para o design universal: esta prática requer uma crença geral na inclusão de todos os usuários em nossos projetos. Ao praticar empatia e tomar atitudes em direção à inclusão, nós construímos produtos melhores e mais poderosos, assim como nos tornamos designers mais atenciosxs e delicadxs.

Aqui na Labcodes estamos atualmente trabalhando em nosso design system, e como parte dessa jornada, definimos como um dos nossos princípios de design sermos universais e acessíveis. Nesse processo estamos aprendendo bastante e está sendo muito bom o sentimento de pensar além e projetar melhor. Existem muitas formas dos princípios serem interpretados e aplicados: as possibilidades são vastas. Você já trabalhou num projeto de design inclusivo? Sinta-se livre para começar uma discussão em nossa seção de comentários e falar o que você acha.


Referências (em inglês)