Era uma vez uma palestra maneira
Lembra daquela palestra longa, de tema interessantíssimo, mas com uma infinidade de dados e detalhes técnicos topificados? Não? Bem, pode respirar aliviado, porque a culpa não é sua.
Todo mundo adora uma boa história. Quem nunca passou horas na frente da TV maratonando uma série, ávido por saber qual o destino de pessoas que não são reais, mas que, por um breve momento, nos importamos como se fossem? Uma boa trama engaja e conecta e é esta reação que queremos da nossa audiência quando apresentamos uma palestra.
A técnica de contar histórias tem sido amplamente utilizada no Design, seja na criação de personas, ou mesmo mapeando a jornada do usuário de determinado produto. A beleza do Storytelling (nome que damos a essa técnica) é que ele pode ser utilizado em várias fases de um projeto, desde a concepção até a apresentação. É uma ferramenta que, há um bom tempo, já não é mais exclusiva da ficção, sendo uma maneira de construir os pensamentos que pode ser aplicada em várias atividades. E é sobre isso que vamos falar neste artigo.
No fim, é tudo sobre emoção
Quando apresentamos um estudo para um público, estamos competindo com uma porção de estímulos que poderão tirar o interesse da nossa audiência. Os primeiros minutos podem ser decisivos para capturar a atenção e mostrar porque o que temos para falar é importante. E, para convencer o público dessa importância, devemos mostrar o nosso lado humano, nos conectando com histórias reais que possam, de alguma forma, promover identificação com as várias realidades ali presentes.
Quando as pessoas se conectam, elas começam a se importar. E é isso que esperamos: que a nossa mensagem seja ouvida e, acima de tudo, que o nosso público queira ouvi-la. Vai ser este sentimento de empatia que fará com que a informação passada, de alguma maneira, fique na memória da nossa audiência de forma mais orgânica.
Como algo técnico pode virar uma história?
Nós somos contadores de história genuínos e a nossa ancestralidade nos diz isso, com contos que foram passados de geração para geração. Só precisamos entender qual a melhor maneira de contar a nossa narrativa.
Joseph Campbell estudou os mitos e os acontecimentos da humanidade, e acabou elaborando uma espécie de fórmula para a construção de uma narrativa, que ficou conhecida como jornada do herói. Pra pensar na estrutura da apresentação, podemos nos apropriar um pouco deste conceito e criar nossa própria jornada. Construir uma linha de raciocínio que pareça o desenrolar de um bom enredo é um ótimo ponto de partida para aumentar o engajamento nas nossas palestras. Podemos dividir o desenvolvimento da apresentação em três atos:
Ato I - A Partida do Herói
Este é o momento em que “quebramos o gelo” com a plateia. Na partida do herói, falamos do nosso contexto com o tema escolhido e como aquilo é importante para nós. É quando nos conectamos com a audiência, falando também das nossas dores e aspirações. Neste ponto, devemos referenciar nossas motivações para “começar a nossa jornada”. Um bom exemplo é discutir os problemas que nos levaram a falar sobre determinado tema, contando possíveis situações pelas quais você passou.
Ato II - A Iniciação
No segundo ato, falamos da nossa problemática em si. Contamos quais foram as dificuldades e descobertas dos caminhos trilhados para chegar no resultado do nosso estudo, de maneira acessível, evitando formalidade e jargões que nem sempre são familiares para a audiência. Lembre-se: a ideia é conectar-se com o maior número de pessoas.
Ato III- O Retorno
O retorno do herói é o momento das resoluções. Aqui mostramos que o prêmio de todas as dificuldades encontradas é o conhecimento que adquirimos durante toda a jornada. É o momento de fechar o raciocínio das ideias apresentadas até então, com as lições aprendidas.
Se eu fosse apresentar uma palestra com este tema de storytelling, por exemplo, eu poderia usar a seguinte estrutura:
Exemplo de ato I
Contar sobre meu background em apresentações. Lembrar dos tempos de escola, desde quando sempre foi penoso para mim falar para uma plateia, ainda que eu dominasse o conteúdo. Tentar trazer um pouco de humor e mostrar que era imprescindível encontrar uma boa maneira de estruturar as minhas palestras. Essa é a hora que esperamos que o público se identifique com minhas dificuldades.
Exemplo de ato II
Aqui, posso falar mais sobre minhas inferências e descobertas em relação aos obstáculos de engajar o público durante uma palestra. Mostrar um pouco sobre quais os pressupostos que podem ajudar a tornar um estudo em uma boa história, explicando o que Joseph Campbell propôs para a jornada do herói e, de forma otimista, sugerir que todo mundo sabe contar uma boa narrativa, cada um à sua maneira.
Exemplo de ato III
Ao fim da palestra, trazer um breve exemplo de como aplicar o que aprendi na minha própria trajetória, exatamente como estou fazendo agora em forma de texto. Para concluir, falar resumidamente sobre como os ensinamentos podem impactar a minha vida.
Construir a narrativa desta maneira é uma forma de organizar o conteúdo como uma progressão de fatos que gera uma expectativa. O público caminha junto com o narrador, percorrendo um caminho até alcançar o ponto mais alto do desafio e acompanha a dissolução do problema. Essa gradação é uma maneira de conduzir a audiência para “a moral da história”, que é a informação mais importante a ser transmitida. O que eram as fábulas que nossos pais nos contavam, quando éramos crianças, senão uma maneira de nos ensinar alguns valores? A lógica segue sendo a mesma, o que muda agora é o conteúdo que queremos deixar marcado na mente da pessoas.
O psicólogo Jerome Bruner, um dos pioneiros da psicologia cognitiva, afirmou:
"Stories are about 22 times more memorable than facts alone"
Em tradução livre: Histórias são 22 vezes mais memoráveis do que fatos isolados
Após lerem brevemente sobre storytelling e a jornada do herói, espero que essa frase de Jerome Bruner seja a cereja do bolo pra convencer vocês do poder de uma boa narrativa. Então, não tenham medo de transformar os seus estudos e suas descobertas em histórias memoráveis.